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“Se isso passar, escolas vão ter que ser fechadas”, diz a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Cecília Motta.
A cidade de Rio Branco, capital do Acre, por exemplo, recebeu em 2019 R$ 102 milhões do Fundeb. A sua despesa com salários de professores, no entanto, foi de R$ 108 milhões. Em Limeira, interior de São Paulo, foram R$ 114 milhões do fundo e R$ 149 milhões de folha. A lista de municípios com a situação mais crítica inclui ainda Presidente Prudente (SP), Suzano (SP), Juazeiro no Norte (CE) e Cotegipe (BA).
O dados são de estudo feito pelo consultor em educação Binho Marques, um dos maiores especialistas em financiamento do ensino no País, que usou números do Ministério da Educação e da Secretaria do Tesouro Nacional. A amostra inclui 1570 municípios, em todas as regiões. O estudo reflete um cenário anterior à pandemia de coronavírus, em que as arrecadações têm caído em o todo o País.
O Fundeb foi criado em 2007 e expira no fim deste ano, por isso é necessário o novo projeto agora. Ele funciona como uma conta bancária que recebe 20% do que é arrecadado em impostos, na maioria estaduais, como ICMS e IPVA. Depois, esse dinheiro é dividido pelo número de alunos em cada Estado. O resultado dessa conta não pode ser inferior ao valor mínimo por estudante estipulado pelo governo federal, hoje cerca de R$ 3 mil.
Os Estados mais pobres ganham ajuda financeira da União, que hoje representa 10% do Fundeb. A proposta atual, feita pela deputada professora Dorinha (DEM) prevê um aumento para 20%.
A lógica é estadual e a maioria da receita municipal fica fora do Fundeb. Assim, municípios mais ricos conseguem ter dinheiro, além do fundo e proveniente de sua arrecadação na cidade, para investir em educação. E os mais pobres têm praticamente apenas o Fundeb para todas as suas despesas.
Por isso, explica Marques, cidades do Norte e Nordeste aparecem com porcentagens menores de uso do Fundeb para pagamento de profissionais. Como são mais pobres, precisam usar o fundo para todas as suas despesas, não apenas para salários. Enquanto 82% dos municípios do Brasil comprometem até mais de 100% da folha de pagamento, no Norte esse índice é de 63% e no Nordeste de 79%.
“Elas têm tão pouco dinheiro de arrecadação própria que precisam usar o Fundeb para reformar, manter escola, expandir, e acabam contendo a folha de pagamento, pagando pouco”, diz Binho, que já foi secretário de Educação no Acre e integrou o Ministério da Educação até 2016. Já os municípios mais ricos têm recursos provenientes de seus impostos para usar em investimentos.
No Centro-Oeste são 92% das cidades com todos os recursos do Fundeb sendo usado para pagar professores, merendeiras etc. No Sudeste, 83%. Mesmo assim, o restante não está com baixo comprometimento. O Estado de São Paulo, por exemplo, o mais rico do País, já usa 70% do Fundeb para pagar os profissionais.
A presidente do Consed acha “inadmissível” a proposta do governo, considerando que o maior montante do Fundeb vem da arrecadação dos próprios Estados. Ou seja, o governo federal está pretendendo limitar o uso de um recurso que já é do Estado, diz.
A proposta em votação no Congresso, da deputada professora Dorinha, prevê o contrário. Ou seja, que no mínimo 70% do Fundeb seja usado para o pagamento de profissionais. “Querer fazer essa mudança é mostrar um desconhecimento total do governo federal sobre como funciona a educação no País”, diz o deputado Israel Batista (PV-DF), secretário executivo da Frente Parlamentar Mista de Educação. “Vai colocar mais de 80% dos municípios na ilegalidade.”
Depois mais de um ano de discussões entre parlamentares ligados à educação e especialistas da área, foi fechada a proposta apresentada pela deputada Dorinha. A votação estava marcada para esta segunda-feira. O governo Bolsonaro, por meio do Ministério da Educação, nunca participou das discussões.
No sábado, no entanto, o governo divulgou a alguns parlamentares propostas que mudariam o projeto atual, como a mudança no comprometimento com pagamento de professores. Outra ideia é usar parte do dinheiro do Fundeb para o Renda Brasil, um programa de assistência social que ainda será criado. “Educação e assistencialismo são duas coisas diferentes, o dinheiro do Fundeb é para manutenção da educação. É como se o governo tivesse usando dinheiro da Saúde para o Meio Ambiente”, diz Cecília.
*Estadão Conteúdo/BG