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15 novembro 2021

Seu Jorge está em cartaz com Pixiguinha; veja entrevista

Foto: Reprodução
Enquanto o cinema brasileiro comemora o sucesso comercial de Marighella, de Wagner Moura, visto por cerca de cem mil pagantes em uma semana, seu protagonista, o artista Seu Jorge, já está de volta às telas no papel de um ícone da música: o maestro, compositor, flautista e saxofonista Alfredo da Rocha Vianna Filho ‘Pixinguinha’ (1897-1973). Seus feitos são revisitados, sob a direção de Denise Saraceni, Pixinguinha – Um Homem Carinhoso, que está em cartaz.

A cinebiografia lembra composições notáveis de Pixinguinha com parceiros letristas, como “Lamentos”, “Benguelê”, na voz de Clementina de Jesus, e “Rosa”, com Caetano. Compositor, flautista e saxofonista, nasceu no Rio de Janeiro em 1897.

A produção dirigida por Denise Saraceni e Allan Fiterman também revive momentos de virada na carreira do instrumentista, como a ida a Paris dos Oito Batutas, com um Pixinguinha muito jovem na flauta, e a gravação consagradora de “Carinhoso” por Orlando Silva.

No entanto, é provável que o filme decepcione quem espera um mergulho na obra de Pixinguinha. As interpretações de choros, sambas e maxixes aparecem em trechos curtos, e pouco se fala sobre o contexto cultural e o processo de criação de composições que se tornaram clássicos da música popular brasileira.

O fato é que “Pixinguinha” dedica mais atenção às questões pessoais do que à trajetória musical. A vida do compositor interpretado por Seu Jorge tem sobressaltos com potencial para impulsionar um filme, como o alcoolismo e a dificuldade de pagar a casa que comprou com a mulher, a vedete Albertina Nunes Pereira, a Beti, papel de Taís Araújo.

Episódios como esses estão na produção, mas envolvidos num tom açucarado, que logo abafa as tensões. As ambivalências dos personagens se diluem nessa toada quase sempre festiva, que resulta artificial. Bom ator que é, Seu Jorge se empenha no papel, mas a verdade é que recebeu um personagem mal escrito, em estado permanente de sabedoria, bondade e mansidão. Ou seja, um Pixinguinha menos complexo do que certamente foi.

O racismo dá as caras em algumas cenas, como no momento em que a família de Pixinguinha se reúne para ler as críticas da imprensa às apresentações do Oito Batutas —um dos comentários é escandalosamente preconceituoso. É bom que o tema não seja escanteado. Poderia, no entanto, receber uma abordagem menos ligeira, o que acaba sugerindo que nada, nem mesmo a discriminação, pode abalar o equilíbrio do protagonista.

O casamento de Pixinguinha e Beti foi, em geral, bem-sucedido, mas o filme precisaria reiterar essa harmonia conjugal em imagens que, em busca de uma suposta perfeição plástica, ganham uma aparência de publicidade?

Condensar 75 anos de vida em um filme de pouco mais de uma hora e meia é um desafio —mais prudente teria sido escolher uma fase da vida do compositor. Mas o problema está menos na extensão do período retratado do que no modo como se retrata. Pixinguinha merece mais, muito mais.

Até o fim do mês, vai ter mais uma canja de Seu Jorge: ele é um dos atores de Medida Provisória, primeiro longa de Lázaro Ramos como diretor. São três narrativas que passam pelas contradições raciais do Brasil, como a voz por trás de hits como Burguesinha afirma nesta entrevista ao Estadão.

Qual é a importância de Pixinguinha para a maneira de se fazer música no Brasil e como ele o influenciou?

Ultimamente, por conta do que a pandemia mudou, tudo para mim é som. Estou sempre na música. Mas trabalho como ator há 20 anos e quando tenho a chance de viver um músico no cinema, essa experiência é uma consagração para mim – como é o caso de Pixinguinha, que é um instrumentista virtuoso em todos os sentidos. Vinicius de Moraes dizia que ele era um anjo na Terra. Sempre fui encantado com as histórias sobre a generosidade dele. O momento que mais me emociona em sua trajetória é quando ele e seu conjunto, Os Oito Batutas, saem do Brasil para divulgar nossa música no exterior.

Em 2022, Cidade de Deus completa duas décadas. Foi o filme que o revelou como ator internacionalmente. Um filme com um dos processos de preparação de elenco mais singulares de nosso cinema.

Quase 20 anos depois, aquele processo ainda marca a sua forma de atuar? As lições que recebeu para fazer o papel de Mané Galinha criaram o método de atuação que você usa em um filme como Pixinguinha?

Cidade de Deus me aproximou das causas do Brasil, da minha gente, origem, da minha própria negritude. É um marco para atores negros. É a história de uma cidade inteira, com seus conflitos. Ali, vi que tudo o que um personagem sente na história dele, vou sentir também. Nas filmagens, vou conviver com o que o personagem sente na história. Fazer o filme sobre Pixinguinha significava experimentar um outro lado da dramaturgia, pautado pela poesia e beleza. A Denise Saraceni é uma mulher com larga experiência em direção. Quando você é músico, é lógico que a prática auxilia. Mas quando você precisa viver o Pixinguinha, a pessoa, nessa hora fica só o humano.

Com pré-estreias lotadas, Marighella desponta como o fenômeno nacional de bilheteria do ano. Como avalia a importância política do longa de Wagner Moura em meio ao racha político que hoje divide o Brasil?

A proposta do Wagner de contar a história de Marighella começou lá em 2013, mas só agora o filme saiu em circuito por aqui. Não fazia sentido não ser lançado no Brasil. Mas, passado tanto tempo, acho que os astros convergiram e tornaram mais fácil a compreensão das pessoas sobre o que significou a luta contra a ditadura naquele momento.

Marighella pode levar alguém a votar diferente em meio à polêmica política?

Não posso afirmar isso. Mas sei que o filme tem a capacidade de fazer as pessoas sentirem a História e se aproximarem dela. Tem gente que fica duas horas vendo Homem de Ferro. Mas tem gente que pode usar esse tempo para ver um pouco da nossa história.

Além de Pixinguinha e Marighella, você estará nas telas, no fim do mês, com Medida Provisória, de Lázaro Ramos. Os três têm personagens ligados a lutas raciais.

O que esses filmes trazem de mais relevante para a representação das populações negras?

Estamos em momento de debate profundo. Somos a maioria no Brasil Um povo ávido pela mudança de uma prática que só contribui para a desigualdade. É impossível se desenvolver com o racismo.

E sobre sua participação no cinema internacional?

Acabei de vir de um filme do Wes Anderson, Asteroid City. Foi incrível voltar a filmar com ele quase 20 anos depois de A Vida Marinha com Steve Zissou.

SERVIÇO

Elenco: Seu Jorge, Taís Araújo, Milton Gonçalves, Danilo Ferreira
Produção: Brasil, 1h41min
Direção: Denise Saraceni e Allan Fiterman

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