Salta aos olhos a conduta que teria sido perpetrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com a coautoria do seu ex-ajudante de ordens, o militar Mauro Cid, e ainda de outras pessoas, que ajudaram na prática de crime que envolve a fraude de registro de vacina e sua inserção no sistema de dados.
Fala-se que a funcionária responsável, no caso, teria sido pressionada a ceder as senhas necessárias para permitir a realização daquela conduta criminosa.
Noticiou, então, o site G1, em 3.5.2023:
“As investigações apontam que os dados do cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de sua filha de 12 anos, Laura Bolsonaro, de Mauro Cid, sua esposa e filha foram alterados. Os dados falsos foram incluídos nos sistemas do Ministério da Saúde por Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
A suposta falsificação teria o objetivo de garantir a entrada de Bolsonaro, familiares e auxiliares próximos nos Estados Unidos, burlando a regra de vacinação obrigatória. O ex-presidente foi aos EUA em 30 de dezembro de 2022, às vésperas de deixar o governo, e voltou ao Brasil em 30 de março deste ano.”
O ex-presidente da República fez questão de dizer que não se vacinou contra a covid.
Tudo isso, além de manifestar-se como crime, é uma forma de desprezo à população, que vai aos postos de saúde, com o objetivo de vacinar-se contra essa terrível doença.
A operação que terminou com a busca e apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro (PL) e a prisão de pessoas ligadas ao ex-presidente por fraudes no cartão de vacinação dele e da filha está relacionada ao inquérito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga a atuação de “milícias digitais”. Haveria uma conexão a justificar a competência do STF.
O Projeto de Lei 114/22 tipifica como crime de falsificação de documento público a alteração da carteira de vacinação, no todo ou em parte. O texto em análise na Câmara dos Deputados acrescenta esse dispositivo ao Código Penal, que atualmente prevê pena de reclusão, de dois a seis anos, e multa para quem falsifica documento público, consoante informou a Agência Câmara de Notícias.
Nos EUA, exige-se a comprovação de vacinação. A vacinação para entrar em solo americano será obrigatória até o dia 12 de maio deste ano.
Aliás, falsificar certificados de vacinação contra a Covid-19 é um crime federal nos Estados Unidos,
No Brasil, a falsificação de carteira de vacinação é enquadrada como falsificação de documento, havendo, outrossim, que se falar no uso de documento público falsificado, por quem o detém. É certo que, ainda, poder-se-ia falar no crime de corrupção de menores, pois menores poderiam ter sido envolvidos na cadeia criminosa.
Quanto ao crime de uso de documento, há o entendimento segundo a qual uma pessoa que pratica as condutas de falsificar e usar o documento falsificado deve responder por apenas um delito.
O que é documento?
Documento, como conceitua Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, Atlas, pág. 212), é toda peça escrita que condense graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. O escrito deve ser feito a mão ou por meio mecânico ou químico de reprodução de caracteres. Mas, inexiste a falsificação de documento quando se trata-se de simples reproduções fotográficas (xerocópias) não autenticadas que não se conceituam como documentos (RTJ 108/156). Mas, é essencial que o documento possa apresentar relevância no plano jurídico, gerando consequências no plano jurídico (RTJ 616/295). Nelson Hungria conceitua o documento como “todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante”.
O documento, via de regra, é um papel escrito. Mas nem todo papel escrito é um documento, pois nem todo papel tem força probante.
De toda sorte, a veracidade probatória é a objetividade jurídica desses crimes em estudo.
São requisitos do documento:- Forma escrita, redigidos em língua nacional, seja a mão ou a máquina;
- Determinação da autoria;
- Conteúdo (uma manifestação de vontade, uma exposição dos fatos);
- Relevância jurídica.
Há a falsidade material e a falsidade ideológica. Na falsidade material, o documento é falsificado em sua essência (material). Na falsidade ideológica (intelectual), o documento é falsificado em sua substância, ou seja, em seu conteúdo ideal.
Falsificar significa criar materialmente, fabricar, formar, contrafazer. O agente elabora, forja o escrito integralmente ou acrescenta algo a um escrito, inserindo dizeres em espaço em branco. Por sua vez, ao alterar o documento verdadeiro o sujeito ativo exclui termos, acrescenta dizeres, substitui palavras. Nos exemplos de alteração, o papel, sobre o qual o agente trabalha, no seu mister criminoso, preexiste à sua ação e constitui documento verdadeiro, sendo objeto do agente emprestar-lhe aspecto ou sentido diferente daquele com que nasceu e, quando se trata de falsificação, o documento nasce como fruto do trabalho do agente cujo desiderato reside em dar existência a um documento fictício, como disse Sylvio do Amaral (Falsidade documental, 2ª edição, São Paulo, 1978, pág. 49 e 50).
Para o crime envolvendo a fé pública é mister a potencialidade da falsidade para causar prejuízo. Como ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 1015), torna-se indispensável que a falsidade, mesmo que não seja grosseira ou o documento possua relevo jurídico, tenha aptidão para gerar prejuízo, conforme o meio eleito pelo agente para a prática da infração penal. Disse ainda Guilherme de Souza Nucci:
“Note-se: não se trata de transformar o crime de falsidade em material, ou seja, aquele que exige resultado naturalístico, mas de evidenciar que não é toda falsificação um meio hábil a prejudicar a fé pública.”
Por essa razão, fotocópias sem autentificação, documentos impressos sem assinatura ou documentos anônimos não podem ser considerados documentos particulares para os efeitos da lei.”
A falsificação em documento de dados constantes do sistema de vacinação é crime previsto no art. 297 do Código Penal.
O tipo subjetivo nesses ilícitos citados de falsificação é o dolo.
Ainda se pode trazer à colação o crime previsto no artigo 313 – A do CP:
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000))
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Trata-se de crime próprio, pois somente pode ser cometido por funcionário público.
Objeto material são os dados, falsos ou corretos, constantes dos sistemas informatizados ou banco de dados da Administração Pública. Dado é o elemento de informação ou a representação de fatos ou de instruções, de forma tal que seja permitido o seu processamento, armazenamento bem como sua ou transmissão, como disse André Estefan (Direito Penal – Parte Especial – Volume 4. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 211).
Disse bem Vicente de Paula Rodrigues Maggio (O crime de inserção de dados falsos em sistema de informações ( Código Penal, art. 313 – A) que “o núcleo do tipo penal está representado pelos verbos inserir (incluir, introduzir, alimentar o sistema ou banco de dados), facilitar a inserção (colaborar, permitir, tornar fácil a inserção) alterar (mudar, modificar, falsificar) e excluir (retirar, remover, eliminar), tendo como objeto material os dados, falsos ou corretos, constantes dos sistemas informatizados ou banco de dados da Administração Pública.”
A inserção de dados falsos em sistema de informações é crime formal (ou de consumação antecipada), que se consuma sem a produção do resultado naturalístico, consistente na efetiva obtenção de vantagem indevida ou de causar dano a outrem. A tentativa é possível.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
*Por Rogério Tadeu Romano
*Blog do Barreto