Com amor pela profissão, o educador social Wagner Gomes, de 43 anos, explica que na Associação Fé e Alegria, onde trabalha, ele busca ensinar sobre as tradições juninas e resgatar a cultura local. “Nós falamos desde a origem do São João até a sua importância cultural no Nordeste. Falamos, inclusive, da tradição da fogueira e fazemos o resgate cultural da história. Nas oficinas, eu passo para eles que é, sim, necessário dar continuidade em toda a tradição”, enfatiza.
Acender fogueira não é algo tão comum em Natal. O ato remete à crença católica do nascimento de João Batista, quando sua mãe acendeu uma fogueira no alto da montanha para que Maria, mãe de Jesus, pudesse saber sobre o nascimento dele. A aposentada Francisca Silva, de 79 anos, conta que quando morava em Aracati, interior de Touros, era comum ter fogueiras acesas pela rua, mas depois que veio morar em Natal, não teve fogueira em nenhum ano. “Lá, meu marido pegava lenha do nosso próprio lote para acender a fogueira, e todos os meus filhos e netos iam para a minha casa festejar junto com a gente. O milho a gente assava nela mesma. As crianças adoravam ter a fogueira e brincar perto dela, mas claro que com muito cuidado e supervisão”, relembra.
Francisca diz que no bairro onde mora, Lagoa Azul, zona Norte da capital, os vizinhos não têm costume de acender fogueira na rua, e que apesar de não saber o porquê, ela sente falta. A aposentada conta, ainda, que na sua família tinha uma tradição de dividir fogos de artifício nesse período. Eram quatro tipos que seu marido comprava: chumbinho, traques, chuveirinho e foguete. Esse material era dividido de acordo com a idade de cada pessoa. Francisca conta que essas brincadeiras ficaram na memória e hoje é mantida nas novas gerações.
Sua filha, Eliane Ribeiro, de 40 anos, nasceu e cresceu no interior de Touros, Lagoa do Sal, onde festejou São João até a juventude, sempre acendendo fogueira na época. O costume de comemorar se mantém até hoje, mas, agora morando em Natal, ela sente falta das fogueiras. “Eu não vejo mais uma casa que acenda fogueira. Eu até queria que meu filho tivesse uma madrinha de fogueira assim como eu tive, mas para isso, seria necessário viajar para algum interior. Mesmo depois da pandemia, ninguém mais aqui na cidade realiza essa tradição”, expressa Ribeiro com saudades do elemento principal do São João.
Durante a pandemia da covid-19, entre 2020 e 2021, a Prefeitura de Natal decretou que era proibido acender fogueiras. A lei foi em razão do estado de calamidade pública por conta da doença. No entanto, mesmo após a autorização do costume junino, os moradores da capital não mantiveram a tradição.
Para quem mora em cidades do interior, a situação é diferente, como no município Parazinho/RN, onde mora a aposentada Maria de Lourdes Moura, de 76 anos. Ela defende que acender fogueira é uma tradição que não pode ser esquecida, pois é uma demonstração da cultura nordestina e respeito ao São João. “Acender fogueira é uma honra para a gente. Nós a acendemos na noite anterior ao dia de São João e a deixamos apagar sozinha, independente do tempo que dure. Outra coisa que não falta é milho e canjica. O bom São João é no interior, que é fartura em milho”, ressalta Moura.
Entre bandeirinhas, balões comidas, forró e quadrilha
As quadrilhas, danças típicas da época, continuam presentes na vida de muitos, seja na mente ou no coração. Vendo muitos vestidos rodados, cores vivas e ouvindo “anarriê”, a atleta Suelani Brito, de 29 anos, se apaixonou pela dança ainda na escola. Ela relembra que aprendeu a dançar quadrilha ainda no ensino fundamental e está animada para ver os grupos juninos deste ano. “Embora eu não dance mais, eu ainda sou apaixonada por quadrilha e todos os anos prestigio a dança nos arraiás. Tem outras coisas que eu nunca vou deixar de fazer: comer milho assado, cozinhado e canjicão”, expressa.
Quem também aproveita as comemorações para dançar forró em todas as festas que vai é a administradora Nathália Karen, de 22 anos. Ela dançou quadrilha em todos os anos do ensino fundamental e médio. Foi noiva, princesa e rainha do milho. A influência veio dos pais, também apaixonados pelas tradições.
O feito mais bonito que o São João proporciona é a confraternização das famílias. “A época é perfeita para estreitar laços, especialmente com amigos e familiares, com quem pode fazer junto as comidas típicas. Fazemos uma mesa cheia. E para mim, essa é a melhor época do ano porque me lembra a minha infância. Eu acho importante manter sempre a tradição viva, principalmente ao lado da família”, pontua a manicure Cíntia Nadja, de 28 anos. Além de ser comido assado ou cozido, o milho é o ingrediente principal para a maioria das receitas dos arraiás, como canjica e pamonha, por exemplo.
Balões, bandeiras, palhas e barracas temáticas constroem o cenário junino. São itens indispensáveis não só na hora de pensar em fazer uma festa, mas também para enfeitar a rua.
Por isso, Cintia Nadja, em todos os anos anteriores, se juntava com os vizinhos para montar a decoração da rua, costume que ficou para trás. “Esse ano, a correria do trabalho de cada um impossibilitou a gente de realizar essa tradição”, explica.
Origem histórica
Segundo o professor de história do CEI Romualdo Galvão e Roberto Freire, Andrey Fernandes, as festas juninas estão vinculadas às festividades pagãs realizadas na Europa durante o solstício de verão. “A festa, que é religiosa, misturou-se com a cultura pagã e também com outros costumes tanto dos portugueses quanto dos indígenas. O hábito de acender fogueiras veio dos indígenas, que as acendiam para afastar maus espíritos, iluminar o local e assustar animais perigosos”, comenta.
Andrey reforça que cada elemento tradicional das festas juninas tem um propósito. “As quadrilhas foram influenciadas pela corte portuguesa, que, quando estava aqui em 1808, realizava festas com danças semelhantes, embora as quadrilhas de hoje estejam mais modernas”, finaliza.